A
Palavra nos diz para amarmos uns aos outros como a nós mesmo, em
Mateus 22:39 e em Marcos 12:31. Isso parece impossível. Amar o outro
parece ser uma tarefa essencialmente inalcançável, até mesmo
inconcebível por nós, seres humanos que somos, mas existe um
entendimento entre a tarefa e o seu executador (nós) que precisa ser
identificado e, de certa forma, decodificado. Estou falando aqui do
conceito “Ler o outro” e do que este representa em nossa vida.
No
teatro, o que um estudante precisa para se tornar um artista? quem
conhece um pouquinho dessa área sabe que um dos trabalhos essenciais
a ser desenvolvido em aulas é o “trabalho corporal”, ou seja,
procura-se conhecer o funcionamento do corpo, assim como o da mente e como externamos o nosso “eu”. O artista precisa conhecer a
si e ao outro, porque senão, torna-se impossível representar
algo/alguém. Trazer à tona os sentimentos internos.
Por
hoje me convêm nomear esse trabalho corporal por “ler o outro”.
Percebam que se trata de uma sensibilidade e disposição para tal
realização. Digo, não há “leitura” se o sujeito candidato a
leitor se recusar a fazer e praticar tal trabalho corporal até
alcançar a desejável tarefa de “ler o outro”.
Isso
tudo pode parecer extremamente subjetivo e estranho, mas há uma
relação clara entre o “ler o outro” e o “amar o próximo”.
Como se amar se não se
conhece? Como amar o outro se não o conhece?
Vivemos
isso hoje. Há milhares de pessoas perdidas, até mesmo desesperadas
por não viverem o que inconscientemente – por não se conhecerem –
sonharam. Ou seja, essas pessoas nunca deram um tempo a si mesmas,
nunca se conheceram e por consequência fizeram escolhas automáticas
e completamente erradas, em todas as áreas da vida, como uma crença
errada, um casamento errado, uma profissão errada, uma faculdade
errada, uma compra errada, uma palavra errada... na verdade, essas
pessoas nem mesmo entendem o que é o amor. O amor de que falo aqui é
o amor de Deus, que está descrito em 1Cor.13; e que Jesus demonstrou
em cada dia seu. Esse amor não é o desejo carnal, não. Não se
trata disso. Pelo contrário, esse amor é o que Deus é e sente por
nós. É o que deveríamos ter por Ele, por nós mesmos e pelo
próximo. Sucintamente o resumo – e inevitavelmente o reduzo – a:
conhecimento, cuidado, zelo e preocupação.
Voltemos
à questão: Como amar o outro se não nos amamos? Como “ler o
outro” se não nos lêmos?
Fato
é que quando não nos conhecemos, não externamos o que realmente
somos e aí quem passa por nós recebe essa “pessoa” que
externamos. Para trazer à realidade o que talvez as palavras não
estão dando conta de dizer, vou lhes contar uma experiência pessoal
recente:
Em
uma volta do almoço, na faculdade, eu estava andando normalmente e
pensando na vida – exercício recorrente em minha mente – quando
de repente uma
jovem, que também passava por ali, se aproximou e me disse palavras
de encorajamento, pois, segundo ela, eu estava “triste”. Eu
fiquei quase em choque internamente, já que eu não estava sentindo
isso e não fazia ideia de que minha face aparentava tristeza, mas a
tratei com toda educação e a agradeci pelas palavras.
Leitores,
a jovem interpretou meu momento “pensativo” como sendo um momento
de “tristeza”. Ela se enganou na interpretação, mas há dois
elementos essenciais nessa experiência que precisamos entender. O
primeiro é que a jovem, a pesar do engano, mostrou, na prática, ter
amor pelo próximo, já que ela “correu o risco” do engano ao me
dizer o que pensou ser necessário. O segundo é que o engano dela
não foi tão “dela”, pois na verdade ela apenas interpretou a
mensagem que recebeu a partir da minha fisionomia.
E
onde esta experiência se encaixa na nossa questão já citada?
Esta
experiência me mostra que nossas atitudes são baseadas naquilo que
“recebemos” e “lemos” por aí. Agora que chegamos no cerne da
questão, podemos concluir que para amar o próximo é necessário
primeiro amar quem somos e isso só é possível se tivermos
disposição para fazer como os artista do teatro e praticarmos a
atividade de conhecimento corporal e mental, a fim de conhecermos
nossos sentimentos e como os externamos. A partir dessa atividade
poderemos começar a “nos ler” e “ler o outro” e aí sim,
amá-los, já que entendemos suas necessidades.
Depois
dessa reflexão, “ler o outro” ainda parece ser uma tarefa
essencialmente inalcançável? Se sim, recomendo uma segunda leitura
desse texto e a prática da autoanálise. E, por favor, não me
entendam mal. A autoanálise é sim necessária a todos nós (não é
apenas coisa da psicologia), pois até mesmo o Senhor nos ensina
sobre essa necessidade “examine-se a si mesmo”, em vários
momentos, como em 1Cor. 11:28; 2Cor. 13:5; Rm. 14:12; Mt. 23:12.
Que
nós possamos ter essa visão capaz de “ler o outro” a fim de se
cumprir um dos mandamentos de Deus, que certamente foi criado com
muito amor por nós, pois nosso Deus é amor e nos ama
incondicionalmente. Se Ele nos ensinou tais coisas é porque é para
o nosso bem.
“O amor
não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o
amor.” Romanos 13:10
Lorena Lops.